Gerson Freitas Jr
Fonte: Valor Econômico
24/01/2013
Com
a aproximação das obras de pavimentação da BR-163 de Itaituba (PA),
empresas privadas começam a tirar do papel os planos para a criação de
um novo sistema logístico, capaz de escoar até 20 milhões de toneladas
de grãos de Mato Grosso pelos portos da Bacia Amazônica. Ao todo, os
investimentos na construção de estações de transbordo, armazéns,
terminais portuários, empurradores e embarcações devem consumir mais de
R$ 3 bilhões até o fim da década.
O corredor abre uma nova rota para a exportação da soja e do milho
colhidos no entorno dos municípios de Sinop, Sorriso, Nova Mutum e Lucas
do Rio do Verde, cortados pela BR-163. Hoje, mais de 70% da safra
mato-grossense é escoada pelos portos de Santos (SP) e Paranaguá (PR), a
mais de 2 mil quilômetros da origem. Alguns caminhões vão ainda mais
longe, até São Francisco do Sul (SC) e Rio Grande (RS).
Boa parte dos recursos privados deve ser investida no município
paraense de Itaituba, especificamente no distrito de Miritituba,
localizado à margem direita do Rio Tapajós e próximo ao entroncamento
entre as rodovias BR-163 e BR-230, a cerca de 900 quilômetros desse
cinturão agrícola. O objetivo é transformar o município em uma espécie
de "hub", capaz de receber a produção do Médio-Norte de Mato Grosso e
distribuí-la em comboios de barcaças para os portos exportadores de
Santarém (PA), Vila Rica (PA) e Santana (AP). A expectativa é que os
primeiros carregamentos de Mato Grosso passem por esse corredor a partir
da safra 2014/15.
Pelo menos oito empresas já adquiram terrenos em Miritituba para a
construção de estações de transbordo à margem do Tapajós, um rio
naturalmente navegável para barcaças. Destas, ao menos quatro - as
tradings americanas Bunge e Cargill e as operadoras logísticas Hidrovias
do Brasil e Cianport - possuem projetos em estágio final de
licenciamento ambiental e com obras a iniciar ainda em 2013.
Segundo
o vice-presidente da Associação dos Terminais Privados do Rio Tapajós
(ATAP), Geraldo Affonso, as quatro companhias devem investir, ao todo,
R$ 600 milhões apenas em Miritituba e outros R$ 1,4 bilhão na construção
dos comboios de barcaças e em aumento de capacidade em seus terminais
nos portos exportadores. "Os investimentos já conhecidos somam R$ 2
bilhões, mas o valor será muito maior", afirma.
Composta por oito empresas, a ATAP foi criada em novembro do ano
passado com o objetivo de representar os interesses das empresas com
planos de investimento no novo sistema. Além das quatro empresas
citadas, fazem parte da associação Brick Logística, Chibatão Navegações,
Reicon e Unirios.
A Cargill, que há 10 anos opera um terminal graneleiro no Porto de
Santarém (PA), é uma das maiores interessadas no projeto. Segundo o
gerente de portos da companhia, Clythio Buggenhout, a múlti pretende
investir cerca de R$ 200 milhões para receber a produção em Miritituba e
transportá-la, pelo Tapajós, até o porto. Com isso, a empresa quer
triplicar o volume de soja exportado por Santarém, das atuais 1,9 milhão
de toneladas para 4 milhões por ano.
"Miritituba é um entreposto óbvio de interligação rodo-hidroviária,
é um curinga. De lá podemos ir a qualquer porto grande da Região Norte.
O projeto abre uma matriz de alternativas logísticas", afirma
Buggenhout. "Estamos falando de investimentos totais de R$ 3 bilhões a
R$ 4 bilhões nesse eixo".
O executivo afirma ainda que o investimento vai mitigar o "impacto
socioambiental" que a chegada de milhares de caminhões carregados com
soja teria sobre Santarém após a conclusão da BR-163 - cada comboio de
barcaças pode transportar até 30 mil toneladas de grãos, substituindo
mais de 800 caminhões. Hoje, a soja exportada do terminal da Cargill em
Santarém é transportada de caminhão até Porto Velho (RO), de onde segue
por barcaça até Santarém.
A
Bunge não comenta seus investimentos na região, mas o Valor apurou que a
companhia deve aportar cerca de R$ 500 milhões na construção de uma
estação de transbordo em Miritituba e de um terminal portuário no porto
de Vila do Conde, no município paraense de Barcarena. Segundo as fontes
ouvidas pelo jornal, a empresa pretende construir uma capacidade para
movimentar até 5 milhões de toneladas pelo novo corredor. Só o
investimento em barcaças para operar o trecho deve demandar outros R$
300 milhões.
A Hidrovias do Brasil, empresa controlada pelo fundo P2 Brasil -
criado pelos grupos Pátria Investimentos e Promon - teria planos de
investir um montante semelhante ao da Bunge em seu eixo, também ligando
Miritituba a Vila do Conde.
O presidente da Hidrovias do Brasil, Bruno Serapião, não confirma
os valores, mas afirma que o sistema operado pela companhia terá
capacidade para movimentar 4,4 milhões de toneladas de grãos.
"Pretendemos iniciar a construção dos dois terminais [Miritituba e Vila
do Conde] ainda no primeiro semestre e entrar em operação na safra
2015/16", afirma.
Segundo ele, a companhia deve escoar até 1,5 milhão de toneladas no
primeiro ano de operação e atingir a capacidade total na temporada
2020/21. O executivo revela ainda que a companhia deve contratar a
construção de pelo menos sete comboios de barcaças, com capacidade
individual para transportar até 700 mil toneladas anuais.
Serapião afirma que a Hidrovias do Brasil vai construir e operar o
sistema, mas não descarta a entrada de um sócio. "Há interesse de
empresas no mercado em desenvolver parcerias e estamos estudando essa
possibilidade".
Para ele, a entrada em operação do novo eixo logístico deverá
resultar em uma "queda significativa" nos custos de frete, mas ainda é
cedo para fazer projeções. "Trata-se de um sistema novo e ainda
precisamos saber qual será a base tributária desses investimentos, o que
é determinante para o cálculo do preço final".
Já a Cianport, uma joint venture entre as mato-grossenses Fiagril
Participações e Agrosoja , prevê investir entre R$
350 milhões e R$ 380 milhões na construção de estruturas de recebimento e
embarque em Miritituba e no Porto de Santana, no Amapá. O objetivo é
transportar até 3 milhões de toneladas pelo corredor. Na primeira fase,
com implantação entre 2014 e 2018, a empresa deve movimentar 1,8 milhão
de toneladas. A empresa captou um empréstimo de R$ 73 milhões do fundo
da marinha mercante, operado pelo BNDES.
O secretário de Desenvolvimento do Pará, Sydney Rosa, diz que mais
de 15 empresas podem se instalar em Miritituba nos próximos anos.
"Precisamos garantir um processo ordenado, pois crescerão as demandas
sociais na região", afirma.